Por Victor Canedo (Globoesporte.com)
Eles não aceitam dinheiro de graça. Cogitaram até negar patrocínio e não receber a cota de seu primeiro jogo televisionado da história. É de se estranhar que o FC United, fundado em 2005 por torcedores do Manchester em ato rebelde à venda para a família americana Glazer, seja tão diferente em uma sociedade cada vez mais dependente do capital. Mas é tudo o que eles querem: se opor à filosofia do pai milionário, possível adversário na terceira fase da FA Cup, a Copa da Inglaterra. Antes, o maior desafio é eliminar um time de quatro divisões acima e deixar para o destino colocar frente a frente o time três vezes campeão europeu e a sua própria consciência culposa.
(Foto: Site Oficial do FC United)
No sábado, às 15h locais (13h de Brasília), os Red Rebels – em alusão aos Red Devils – vão até o Withdean Stadium visitar o Brighton, líder da Terceirona Inglesa, e finalista da mesma competição em 1983, diante do próprio Manchester United. Tarefa tão árdua quanto à da primeira rodada oficial quando, em jogo dramático, o FC United eliminou o Rochdale por 3 a 2, também fora de casa, com um gol aos 49 minutos do segundo tempo. Anteriormente, em longa fase preliminar – a FA Cup conta com mais de 750 clubes –, a equipe da Sétima Divisão já havia passado por outros quatro adversários no mata-mata.
– Se o FC United avançar, teremos uma enorme empolgação para ver se o sorteio apontará o Manchester como adversário. As pessoas aqui já comentam sobre essa possibilidade. Já há, inclusive, torcedores dizendo que não irão ao Old Trafford para não dar qualquer lucro aos Glazers – disse Ashley Gray, jornalista do Daily Mail, em entrevista por e-mail.
O fato, obviamente, é inédito na curta história do FC United. Em 14 de junho de 2005, cerca de 2.700 torcedores se rebelaram com a aquisição do Manchester por parte do empresário americano Malcom Glazer, que tomou um empréstimo de 600 milhões de libras (à época R$ 2,57 bilhões). Boa parte é integrante do Manchester United Supporters Trust (MUST), fundo que arrecada dinheiro de associados e doadores para comprar os Red Devils quando o americano falir por conta dos altos juros e tiver de vender. É o que eles acreditam.
– O que as pessoas não entendem é como o United pôde ser comprado pelos Glazers, que não tinham dinheiro e pagaram o clube com empréstimos. Os torcedores têm a certeza de que o dinheiro utilizado para quitar os débitos poderia ser revertido na compra de jogadores, estrutura... Ficou claro para muitos que os Glazers não nutriam paixão pelo Manchester. Apenas pensavam em ganhar dinheiro – afirmou Ashley Gray.
Jogador aplaude os quatro mil torcedores que viajaram para presenciar a épica classificação (Site oficial)
Paixão como modelo de gestão
A proposta do FC United é justamente ir na contra-mão de todo esse modelo de gestão. Por isso, todos os aspectos são decididos através de assembleias entre os associados, proprietários diretos do clube. Para ter direito a voto, os torcedores precisam pagar uma anuidade mínima de 12 libras (R$ 32). E, embora não haja um limite para o investimento, o peso nas decisões é o mesmo para todos – cerca de dois mil. As vantagens, por exemplo, podem ser sentidas no bolso. Um ingresso pode ser comprado por R$ 5, enquanto para assistir a um jogo do Manchester United os fãs teriam que arcar com, no mínimo, R$ 73 (veja na tabela ao lado).
– Não há como nossos jogadores pagarem uma viagem à Dubai por uma semana. Eu duvido até que eles conseguiriam passar dois dias em Blackpool – brincou o treinador e manager Karl Marginson, ironizando o atacante Wayne Rooney.
'Amamos o United. Odiamos o Glazer', diz a faixa
(Foto: Divulgação / Site Oficial do FC United)
– Nossas estrelas recebem R$ 1,6 mil por mês – concluiu.
A organização também desperta atenção e é de dar inveja a qualquer clube brasileiro de elite. O site oficial possui traduções para 14 línguas, entre elas português, polonês e russo. Há canais de TV e Rádio, perfis no Twitter e no Facebook para que o torcedor possa estar cada vez mais íntimo de sua paixão. Sem contar o apoio à comunidade local através de empregos a grupos de refugiados, cooperação com escolas e instituições de solidariedade à crianças.
– Os meus heróis costumavam ser craques como Denis Law, Bobby Charlton e Eric Cantona, mas agora são essas pessoas que fizeram tanto para levar o clube até esse nível – confessou o veterano torcedor Vinny Thompson, ao jornal inglês “The Independent”.
– O Manchester United é o maior clube da Inglaterra e nunca foi bem vista uma venda para americanos, primeiramente pelo orgulho inglês e também pelos americanos darem a entender que a compra do clube era apenas por business. É uma atitude que eu não tomaria, prefiro estar sempre do lado do clube apesar dos pesares, mas consigo entender a revolta daqueles que viram o Manchester United renascer das cinzas por esforço próprio – contrargumentou Thiago "Kalvin" Menezes, brasileiro e torcedor fervoroso dos Diabos Vermelhos.
Festa ao alcançar a segunda fase da FA Cup começou no campo (Divulgação / Site Oficial do FC United)
Da 10ª para a 7ª Divisão
Em campo, o time é um sucesso. E não só pela FA Cup. Em cinco temporadas, o FC United já soma três acessos, cinco troféus e mais de 400 gols. Além, é claro, da ótima presença de público para os padrões das ligas semi-amadoras, com média de 2.379 torcedores em um estádio em uma pequena cidade vizinha, onde tinha de dividir o palco com o Bury FC.
As notícias para o futuro são animadoras. Na última quinta-feira, o clube recebeu permissão para construir o seu estádio, com capacidade para 5.000 pessoas, em Newton Heath, área onde o Manchester começou a se profissionalizar. Os ingleses já arrecadaram R$ 1,9 milhão através de doações da comunidade em seis semanas. O preço estimado é de R$ 9,5 milhões. Logo logo chegarão lá.
Como diz a música entoada pelos rebeldes: “Glazer, onde quer que você esteja, você comprou o Old Trafford, mas não pode nos comprar”. Uma história, no mínimo, cativante.
Crianças 'rebeldes' viram o clube nascer: orgulho em qualquer divisão (Foto: Site Oficial do FC United)